* Por Luciano Rezende
Poucas pessoas no Brasil são tão qualificadas como Aldo Rebelo para exercer uma tarefa tão espinhosa como a que lhe foi atribuída de relatar sobre o Código Florestal. Fosse Aldo um agrônomo ou engenheiro florestal possivelmente puxaria mais para o lado da produção agrícola. Fosse um biólogo ou engenheiro ambiental, talvez enveredasse para a tese do desmatamento zero. Mas como um nacionalista e democrata formado nas mais diversas trincheiras de lutas, amparando-se e ouvindo todos os lados em jogo, soube bem colocar os interesses nacionais em primeiro plano.
Na própria academia não há consenso entre os pesquisadores sobre os diversos temas que abordam o Código Florestal. Como a natureza é dinâmica (e dialética), tudo se relaciona e às vezes uma comprovação científica desconectada de suas inúmeras variáveis cai por terra.
O que falar, por exemplo, sobre o papel do gás carbônico na natureza? Com o aumento da concentração do CO2 na atmosfera, atribuído à atividade humana, tem-se a aceleração do chamado aquecimento global e suas nefastas conseqüências ambientais implicadas ao homem. Por outro lado, como aprendemos no ensino fundamental, é justamente esse CO2 um dos substratos básicos para a fotossíntese que, juntamente com a água e a energia luminosa, irão permitir que as plantas sintetizem os carboidratos e liberem o oxigênio. Para as matas e florestas (principalmente as espécies de metabolismo fotossintético C4) o incremento de CO2 pode ser benéfico para seu desenvolvimento. Não se quer dizer com isso, tampouco, que as emissões desse e outros gases diversos não devam ser monitorados, mas precaver os mais afoitos de que há muita complexidade em um debate que não deve ficar apenas à luz do terrorismo ambiental.
O que dizer sobre as famigeradas queimadas que destroem nossa mãe-natureza? Pode-se dizer, sem medo de errar, que não fossem esses incêndios naturais o cerrado brasileiro não teria se desenvolvido tal como nós o conhecemos. Ou seja, esse bioma riquíssimo seria outro, completamente diferente. O fogo também faz parte desse complexo jogo da vida ambiental e é componente intrínseco dela. É o aquecimento das sementes mais recalcitrantes o mecanismo vital capaz de tirá-las da dormência e promover a nova vida que surgirá robustecida. Também a rebrota de novos pastos nativos e a ciclagem de alguns nutrientes pode ser atribuída ao fogo. Na evolução das espécies, a vegetação tortuosa do cerrado com suas cascas de cortiça que funcionam como isolante térmico desenvolveu-se sempre ao lado do fogo. Posto isto, defende-se a prática das queimadas como um manejo agrícola? O empresário agrícola, tão criticado por alguns ambientalistas, é o primeiro a repudiar essa prática, pois sabe muito bem que em sua propriedade poderá utilizar de outros métodos mais vantajosos financeiramente. A exceção vai para a abertura de novas áreas destinadas à agricultura e pecuária e até para pequenos produtores carentes de assistência técnica. Portanto, muita prudência ao generalizar os fenômenos da natureza no jogo maniqueísta de algumas ONGs que se advogam como representantes do bem e acusam agricultores de serem a encarnação do mal, sem ao menos conhecer as especificidades de nossos ecossistemas.
O que pensar, também, sobre um ciclo de avanços tecnológicos na agricultura ocorridos anos atrás, batizados de Revolução Verde? Sementes híbridas, fertilizantes químicos, inseticidas, mecanização e uso extensivo de tecnologia usados no plantio, na irrigação e na colheita não trouxeram apenas malefícios. Capitaneada por fundações como a de Rockefeller e subsidiadas por países ricos em detrimento a países pobres, a agricultura mundial viu acentuar a degradação ambiental e até cultural dos agricultores tradicionais que antes plantavam suas sementes crioulas e adubavam com esterco animal. Mas por outro lado, esse conjunto de inovações tecnológicas na agricultura permitiu à humanidade multiplicar a produção de alimentos várias vezes nessas últimas décadas, embora o problema da renda ainda persista. Não se pode jogar fora a água da banheira com a criança dentro. Não seria mais vantajoso promover a apropriação destas tecnologias – dentro de um programa racional de manejo integrado – pelos povos e nações periféricas? Nem a agricultura orgânica vai ser capaz de suprir às necessidades calóricas de mais de seis bilhões de pessoas, nem a agricultura convencional – baseada em altos aportes de insumos químicos – é sustentável em longo prazo. O ponto de equilíbrio é o manejo integrado de várias práticas: às vezes químicas outras biológicas e até ambas. Não há receita pronta e muito menos discurso concluso. O Plantio Direto na palha, manejo agrícola exemplar do ponto de vista conservacionista, adotado por grandes e pequenos produtores, foi desenvolvido em nosso país, baseado na realidade de nossos solos e fez com que os outrora pobres latossolos brasileiros não devessem nada aos ricos podzóis europeus.
Há vários outros pontos polêmicos que poderiam ser discorridos neste texto, com o objetivo único de pontuar a complexidade dos temas. Mas de uma coisa não resta dúvida: a coerência do deputado comunista Aldo Rebelo e sua disposição em defender os interesses do povo brasileiro.
Por isso mesmo é justa sua preocupação com os milhões de agricultores que plantam em morros ou várzeas. Os incas já produziam nos íngremes Andes de forma sustentável há milhares de anos e os chineses e indianos cultivam seus arrozais nas várzeas, também há milênios. A diferença é se o produtor vai arar morro abaixo (favorecendo a erosão) ou se vai cultivar plantas perenes em curva de nível utilizando terraços (como é o caso do café e frutíferas). Se vai drenar as várzeas e utilizar espécies estranhas ou se vai respeitar sua dinâmica e aproveitar as culturas adaptadas ao encharcamento, como é o caso do arroz.
Aí está também outro tema sensível e controverso que setores da direita – e mesmo da esquerda – tentaram achincalhar com a reputação de Aldo Rebelo: o que é nativo e o que é estrangeiro (exótico) em nossa agricultura? Rebelo, com seu estilo literário erudito e ao mesmo tempo popular, buliu com o fato de ser necessário naturalizar a jaqueira. Corretíssimo. E mais, seria o caso de se naturalizar não só a jaqueira, como também o arroz, o milho, a laranja, a cana, a braquiária, o cavalo, a vaca, e tantas outras culturas e animais que ao chegarem ao nosso continente tantos impactos ambientas impuseram. E nem por isso deixaram de contribuir imensamente com a nossa cultura, dieta alimentar e trabalho. Vide o exemplo do eucalipto.
Talvez nenhuma cultura seja tão vilanizada como o eucalipto. Acusam-no de promover os “desertos verdes” e de consumir níveis estratosféricos de água. Certamente, igual a todas as culturas extensivas (nativas ou exóticas), quando cultivadas, promovem impactos ambientais que vão desequilibrar o ecossistema em que se inserem. Mas não se pode deixar de mencionar que, com a chegada desta espécie ao solo nacional vinda da longínqua Oceania, há pouco mais de um século, essa árvore conseguiu ajudar a frear o desmatamento de espécies nativas, principalmente do cerrado, que antes alimentavam os fornos das siderúrgicas ávidos por lenha e carvão. Com o eucalipto conseguimos manter nossa pujante siderurgia nacional e parte de nossas florestas em pé.
O novo Código Florestal que se propõe é, portanto, matéria polêmica que deve ser guiado à luz da razão e dos interesses nacionais. Em defesa das florestas, mas também da agricultura e da soberania da Nação. Proteger a natureza e os seres humanos, como bem destaca um dos subtítulos do documento inicial.
A partir daí, deve-se ampliar cada vez mais o debate. O novo código não é eterno e imutável. De tempos em tempos deverá ser submetido a discussões e abrir-se à incorporação de medidas capazes de atualizá-lo de acordo com os novos consensos ou exigências que forem surgindo. Um Código Florestal que seja ao mesmo tempo firme e flexível a agregar novas concepções e idéias ambientalmente corretas e interessantes à Nação.
Por isso mesmo é importante repudiar como o “relatório Aldo” foi tratado. Da forma como foi abordado por parte de seus opositores fez lembrar até outro relatório histórico que levou o nome de seu mentor, Nikita Krushov, diante de tanto terrorismo que o abarcou. Ou daqueles relatórios típicos de Robert Conquest de satanização da URSS e do comunismo. Essa foi a tônica de boa parte da mídia, da direita conservadora e de incautos setores dos movimentos sociais ligados à temática ambiental.
O debate rasteiro e sensacionalista não interessa aos progressistas e democratas brasileiros. Muito menos a tentativa de desqualificar a figura revolucionária de Aldo é conveniente a todos os que reivindicamos uma revolução verde (de novo tipo) e amarela, com centralidade nos interesses da maioria do povo brasileiro.
* Luciano Rezende, engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB – MG. Colunista do Portal Vermelho.